Me pediram que escrevesse sobre traição…
Assunto espinhento esse. Talvez espontaneamente eu jamais me interessasse por ele. À despeito de observar na vida e tão amiúde nos romances, atos de traição, infidelidade, adultério, não seriam tema pra minha avaliação, não fosse o pedido. Talvez porque tal conteúdo esteja embrenhado em minha sombra, nos porões da minha alma? Talvez. Não posso assegurar. Mas vamos ao desafio. Vamos não, não é “cara pálida”, lá vou eu, nessa incursão, excursão…
Drummond, bem me lembrou, a pessoa que pediu esse artigo, disse que no adultério há 3 pessoas que se enganam. Mas ele estava falando de adultério, de infidelidade, e eu aqui de traição…
Mas e trair, depende do outro?
A importância do outro na traição é fato. Drummond tinha razão, pois do ponto de vista de implicação, comprometimento, cumplicidade, investimento na relação, a importância do outro é , fundamental.Sim. Porque muitas vezes, senão sempre, é muito mais cômodo, apontar do dedo para o outro, e não perceber que não se percebia do outro, os sinais. Sinais de arrefecimento, sinais de abandono, de rejeição, de descontentamento, de afastamento… E não percebia, por quê? Há uma série de perguntas que o traído precisa se fazer.
Do ponto de vista do auto-engano, também, essa questão precisa ser avaliada. Posso estar me relacionando com um infiel contumaz, e não ter querido perceber tão relevante fato. Como depois culpar tal pessoa?
Há tantas perguntas a serem feitas, em relação a adultério, à infidelidade, e à traição, quantas respostas exigidas.
Nietzcshe, pode nos ajudar em tais respostas, disse ele;”Pode-se prometer ações, mas não sentimentos, pois estes são involuntários. Quem promete a alguém amá-lo sempre ou odiá-lo sempre ou ser-lhe sempre fiel, promete algo que não está em seu poder; o que pode perfeitamente prometer são ações que, na verdade, são geralmente em conseqüência do amor, do ódio, da fidelidade, mas que também pode provir de outros motivos, pois a uma só ação conduzem diversos caminhos e motivos.”
Pois é. Como prometer fidelidade, se não somos donos dos sentimentos que nos assolam?
E traição?
Eu penso que traição só há em relação a si mesmo.
Trair o outro…Será que isso é possível?
Ser infiel; não fidelizar com o outro, claro que é possível. Acontece aos montes.
Adultério? Super exequível. Adultera-se contratos, acordos e pactos em nome do narcisismo, do infantilismo, do inconsequêncialismo, da visão deturpada, da falta de nobreza e de compaixão.
Não podemos – porque não temos capacidade, alcance – de trairmos ninguém.
Mas não trair a si mesmo pode sim implicar em sofrimento ao outro. E isso ocorre, quando nos faltam dados de nós mesmos; não sabemos quem somos, o que queremos, e nos comprometemos com o outro sem sabermos que não daremos conta de tal compromisso.Se fazemos pacto de fidelidade, e nem sequer sabemos o que seja ser fiel a si mesmo, trairemos; a nós, ao outro e ao nosso propósito.
Ao abrirmos brechas para que um outro entre para preencher lacunas que poderiam e deveriam ser preenchidas por nós mesmos, e culpabilizamos alguém, imputando a ele a responsabilidade pela traição, além de infantis, e irresponsáveis, estamos também, abrindo mão de nossas certezas, nossas verdades mais caras, e nos traindoe nesse exercíco de inconsciência pode chegar alguém que nos complemente, nos preencha, nos eleve, e, nos traia. Azar nosso.