Diante da tragédia ocorrida, me pergunto se foi uma tragédia anunciada, e concluo que sim.
Só que o anúncio passou naqueles canais alternativos, pouco assistidos…
Ouço todos falarem em falta de segurança, e fica claro que ela é precária, frágil, tosca, quase inexistente.
Há uma demanda por segurança que exige respostas.
Mas no caso da tragédia assistida e anunciada, não creio que a falta de segurança tenha sido a protagonista do massacre. Creio por outro lado, que a tragédia seja sintoma.
Sintoma de uma sociedade que não olha pra si mesma, que não se ouve, que não se busca, que não se procura, e que aloja em porões escuros tudo o que não seja brilho, purpurina, louros. E que não olha pra quem não seja celebridade.
Todos querem ser olhados. Todos buscam um olhar que os enxergue, que os veja.
Mas os olhares não estão voltados para o humano…
…O rapaz sofre mas se cala? Ótimo! Menos mal que não incomode ninguém com sua dor.
Que não grite, pelo amor de Deus.
Houve rejeição? Cuide-se!
Houve desamparo? Dane-se!
Houve escárnio? Oras…
Não me venham com fragilidades, problemas, humanidades…
Nossa sociedade está doente, e estamos lhe tratando com chá e esparadrapo.
Ou olhamos o outro com percepção de vê-lo realmente.
E ao olharmos para nosso próprio umbigo, percebamos de onde viemos, quem somos, e pra onde vamos.
Ou esse deus travestido de assassino, que quer morrer ungido porque se crê purificador nos matará a todos.
Na tragédia de Realengo somos um pouco a mulher desamparada e morta com frieza, somos também o que mata em nome de um deus que abomina o humano, somos os que ficamos sem nossos filhos; desamparados e boquiabertos.
Ontem todos nós morremos um pouco.